domingo, 28 de março de 2010

Antropóloga Bia Labate: uso religioso do ayahuasca


Folha online
FABIO ANDRIGHETTO
colaboração para a Livraria da Folha

www.bialabate.net

Livraria - Qual a importância da música nos rituais das religiões ayahuasqueiras?

Beatriz Labate - É uma manifestação cultural muito rica. A música de ayahuasca revela uma multiplicidade de conexões com a religiosidade brasileira e expressões musicais do nordeste e da Amazônia, e tem sido um dos principais elementos destacados no recente processo de pedido de reconhecimento da ayahuasca como patrimônio cultural imaterial da nação brasileira. A música ocupa um papel preponderante no cotidiano dessas religiões, na produção dos significados religiosos e na construção do corpo e da subjetividade dos adeptos. No Santo Daime, particularmente, temos rituais de concentração, ou bailados. Nos dois tipos, se cantam hinários. O hinário é um conjunto de hinos, cantos religiosos que são "recebidos", que dizer, são considerados uma revelação espiritual. O hinário contém a cosmologia e os ensinamentos da doutrina do Daime. Os principais líderes têm o seu próprio hinário, que narra sua trajetória pessoal e espiritual e se refere a momentos específicos da vida da comunidade. O Glauco era músico [sanfoneiro] e tinha o seu próprio hinário, o "Chaverinho" e o "Chaveirão", compostos por 42 e 11 hinos [cantos] respectivamente.

Livraria - Como você analisa a morte do Glauco?

Beatriz Labate - Fiquei profundamente chocada e triste. Parece que houve uma combinação infeliz entre uma dupla projeção: a de um artista famoso, e de uma liderança religiosa importante. Mas o pior é ver como determinados setores da mídia se aproveitam da tragédia para trazer à tona uma velha agenda persecutória a estes grupos, que já são uma minoria bem marginalizada.

Quando uma pessoa se explode em nome de sua religião, matando outras, ou quando um fiel atira no Papa, questiona-se o radicalismo, mas não a legitimidade da religião em si. Por outro lado, imagine quantas pessoas morrem por noite em SP em acidentes de trânsito envolvendo o uso de álcool? Quanto rende uma reportagem sobre alguém que "bebeu cerveja e matou"? Ou sobre os abusos relacionados ao consumo dos fármacos legais? É claro que precisamos fazer uma análise crítica do episódio, mas infelizmente a discussão envolvendo o uso de "drogas" dificilmente é racional, pois envolve fortes tabus. Por outro lado, uma religião minoritária, não hegemônica, é outra fonte forte de preconceitos.

Foto: www.entheogene.over-blog.com

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